Zumbi vive

O Dia da Consciência Negra, comemorado hoje, faz referência a morte de Zumbi, líder do Quilombo dos Palmares, pelas mãos de aproximadamente 9 mil bandeirantes, em expedição comandada por Domingos Jorge Velho. O Quilombo dos Palmares estava localizado na Capitania de Pernambuco, região que hoje pertence ao estado de Alagoas, que por coincidência do destino – ou não – é o estado que mais morrem jovens negros no Brasil vítimas de homicídio, revela o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, publicado em 2019. Segundo os levantamentos da pesquisa morrem 17,4 negros para cada vítima de outra cor.

O movimento negro, encabeçado por figuras importantíssimas para as periferias e a comunidade marginalizada, segue em prontidão a atos que tentam deslegitimar o enfrentamento do racismo estrutural constituído a partir de três séculos de escravidão do povo africano arrancado de sua terra.

Preto Zezé, presidente da CUFA Global, recentemente em entrevista ao programa Roda Viva, da TV Cultura, falou sobre o “quão impactante foi o movimento do RAP para a desnaturalização perante a realidade violenta vivida e para a noção de pertencimento, de identidade”. O RAP ainda é um dos movimentos culturais mais politizados, que denuncia essa falta de ação do Estado perante o mito da democracia racial, as violências sofridas por essa população e as demais negligencias do poder público e de parte da população brasileira. Além de denúncias, evidencia uma capacidade de adaptação a realidade e a busca de mecanismos de sobrevivência em uma sociedade marcada pelo racismo estrutural e pela falta de políticas públicas inclusivas. Se a população negra é maioria no Brasil, onde está a representatividade em cargos de relevância nas empresas privadas ou em cargos públicos? O pensamento social do racismo brasileiro condicionou a ideia do negro a servidão, a inferioridade, o que constituiu o imaginário social como forma de legitimar o racismo no Brasil. E como superar?

Para o debate sobre racismo estrutural e as relações históricas e ancestrais do povo negro, espaços antes inatingíveis por essa população estão sendo ocupados com muita luta. Podemos pensar nos filósofos Djamila Ribeiro e Sílvio Almeida, que levaram a grandes cenários, e com lugar de fala, debates sobre o mito da democracia racial, as grandes dificuldades e as conquistas do movimento negro nos últimos anos na história do Brasil. Essas conquistas devem ser comemoradas e celebradas nessa comemoração que representa a luta diária de uma população que sofre pela ignorância e ganância de parcela da população nacional, capaz de produzir cenas dramáticas e aterrorizantes do cerceamento de vidas de crianças e jovens pelas mãos de agentes do Estado, como os casos de Ágatha Félix em 2019, e João Pedro, em maio de 2020, que tiveram repercussão nacional.

Olhando para nossas proximidades, observamos a lentidão dos processos burocráticos para a legitimação territorial da comunidade quilombola Morro do Boi, que teve seu território regulamentado pelo INCA somente em 2018, deixando claro a dificuldade de legitimar posses a populações herdeiras de escravizados. Essa mesma comunidade que já havia sofrido um forte impacto a partir da construção da BR 101 no final da década de 1960, com seu território sobreposto pela BR e sem o reconhecimento de nenhum tipo de indenização. A luta sempre foi diária e árdua, por isso é importante dizer que muito temos a melhorar, devendo além de legitimar a luta dessa população que já está nesse movimento diário a mais de 300 anos em nosso país, lutar do seu lado para superar esse estigma chamado racismo. Colocar o município de Camboriú no mapa da necessidade de inserção de políticas públicas que evidenciem o protagonismo do povo negro, a partir da criação de distintas possibilidades de uma construção cidadã, para além dos objetivos de uma possibilidade de profissionalização mercadológica dos jovens, mas com políticas que demonstrem as diversas possibilidades de trabalho que um país democrático deveria oferecer.


Zumbi vive e é representado por toda a população negra que comemora as conquistas e celebra a vida no dia de hoje, e que mesmo sem a condição necessária para uma democracia plena e o fim do racismo, um dos maiores males do Brasil, é capaz de sobreviver, viver e superar todas as estatísticas negativas de um país que muito tem de aprender com as comunidades marginalizadas, seja sobre a importância da cooperação, do respeito ou da cidadania. E você, o que está fazendo para diminuir essa desigualdade racial no Brasil? O dever é de todos nós, devemos ser combativos a atos de racismo que passam desde a materialização de uma linguagem racista por meio de brincadeiras, até mesmo a observação mais sensível dos espaços que frequentamos para perceber qual a representatividade da população negra naqueles ambientes. Comemoramos sim o dia de hoje, mas com a certeza da necessidade de manter as mãos dadas e o olhar firme para a superação do racismo estrutural e todas as mazelas sociais que sacrificam a população negra e pobre desse país.

Jacson dos Santos
Historiador e Linguista
rjacson.eu@gmail.com

Referências:
BUTI, Rafael Palermo. Sobreposições do Estado, posições do grupo: o caso da comunidade quilombola do Morro do Boi – SC. Disponível em: file:///C:/Users/rjacs/Downloads/1891-Texto%20do%20artigo-5274-1-10-20150303.pdf> Acesso em: 19 de nov de 2020.
Roda Viva. Entrevista com Preto Zezé. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=mNKzafWTnbI&ab_channel=RodaViva> Acesso em 18 de nov. de 2020.

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