Sargento da PM recebeu pena em segundo grau e processo segue no STF.
Na madrugada de terça, PMs obrigaram grupo de pessoas em situação de rua a sair de Itajaí.
Porém o G1 SC descobriu que o policial militar suspeito do comandar a ação ilegal que obrigou pessoas em situação de rua a sair de Itajaí já foi condenado por tortura.
“Ele recebeu pena em segundo grau e o processo corre no Supremo Tribunal Federal (STF).”
O policial em questão é o Sargento Tadeu José de Andrade. Ele era o “comandante de policiamento” na madrugada de terça-feira (31), quando cerca de 40 pessoas em situação de rua foram levadas por policiais militar até o limite de Itajaí com Balneário Camboriú, no Litoral Norte de Santa Catarina.
O grupo relata ter sido agredido pelos agentes.
O sargento foi acusado em 2011, com outros dois policiais, de torturar dois homens e uma mulher em Itajaí com chutes, pontapés e tiros de pistola taser, a arma de choque. A denúncia do Ministério Público afirma ainda que na época até uma criança recebeu choques elétricos.
Ele foi condenado em 2020 em primeiro grau e recorreu.
Na época o Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC) manteve a condenação no ano seguinte e fixou a pena em sete anos, nove meses e seis dias de prisão em regime semiaberto. Também determinou a perda do cargo.
A advogada do sargento, Mariana Lixa, disse que levou o caso ao STF pela perda de função. A defesa entende que essa não pode ser uma consequência automática da condenação do policial militar, e que seria necessário outro processo para decidir sobre o futuro dele na PM.
No STF, a última movimentação da ação judicial é de abril deste ano.
Pela legislação brasileira, o sargento poderia ter sido preso e obrigado a passar as noites na prisão. Porém, o Ministério Público não pediu o cumprimento imediato da sentença.
Enquanto o processo corre no STF, o sargento está em liberdade.
Apesar da condenação em segundo grau, ele segue atuando nas ruas.
Questionado pela NSC por que o sargento segue nessa função mesmo após a decisão do TJSC, o comando regional da Polícia Militar disse que a PM se manifestaria por meio da assessoria de comunicação social, que foi procurada mas não deu resposta.
MPSC vai acompanhar caso
O Núcleo de Enfrentamento aos Crimes de Racismo e Intolerância (Necrim) vai acompanhar a investigação do Ministério Público de Santa Catarina (MPSC) sobre a expulsão das pessoas em situação de rua de Itajaí, ocorrida na madrugada de terça. A Corregedoria-Geral foi acionada para prestar esclarecimentos.
A 1ª Promotoria de Justiça da Comarca de Itajaí pediu à PM para instaurar sindicância a fim de apurar o possível envolvimento de militares no caso das pessoas em situação de rua.
Nesta quarta, a OAB pediu esclarecimentos sobre a ação de terça e destacou repudiar com veemência o episódio.
“violações de direitos básicos da população em situação de rua não condizem com a sociedade que buscamos”
O que diz a PM
Sobre a informação de que pessoas em situação de rua foram retiradas da cidade de Itajaí sendo conduzidas até a BR 101, o 1º Batalhão de Polícia Militar esclarece que:
1. Não se tratava de uma operação policial institucional e integrante de planejamento prévio, tendo sido feita à revelia e sem conhecimento do Comando do Batalhão;
2. As operações pela Polícia Militar que tem como foco as pessoas em situação de rua são realizadas em conjunto com outros órgãos, em especial a Assistência Social, a fim de assegurar as garantias fundamentais e dar o correto encaminhamento dentro do rol de direitos que estas pessoas possuem;
3. Por fim, ressaltamos que este fato será apurado mediante IPM (Inquérito Policial Militar), para saber os motivos em que tal situação ocorreu; bem como, após a conclusão das devidas investigações, os responsáveis possam ser identificados e devidamente responder perante a legislação vigente a cerca de seus atos.
O que diz a prefeitura de Itajaí
A Secretaria de Assistência Social realizou na manhã desta terça-feira (31) o atendimento do grupo de pessoas em situação de rua que estava às margens da BR-101. Todos estavam em Itajaí e já eram usuários dos serviços assistenciais do município.
Dezoito pessoas estavam no local durante a abordagem e foram encaminhadas ao Centro POP para acolhimento, repouso, alimentação, higiene e atendimento técnico com psicóloga e assistente social.
“Nenhum deles aceitou”
encaminhamento para comunidade terapêutica ou quis auxílio para contatar familiares para restabelecimento de vínculos. Todos optaram por permanecer em situação de rua.
No primeiro semestre deste ano, a Assistência Social realizou mais de 5 mil atendimentos nas ruas e em outros espaços de acolhimento da cidade. Diariamente, cerca de 140 pessoas em situação de rua são atendidas no Centro POP. Essas pessoas são recorrentes e são acompanhadas pelas equipes para tentar reverter o quadro em que se encontram, em sua maioria com vínculos familiares rompidos e com dependência química. Entre os serviços oferecidos está o atendimento psicológico e assistencial, o encaminhamento para comunidades terapêuticas, o contato com familiares e o encaminhamento quando a família aceita receber a pessoa. Além disso, é fornecido todo o suporte básico para garantir a dignidade dessas pessoas, como espaço para banho, roupas, lanche e espaço para repouso. O local funciona de segunda a sexta, das 6h às 18h.
Além do Centro POP, os educadores sociais da Abordagem Social trabalham de segunda a sexta, das 7h à meia-noite, e nos fins de semana, das 7h às 19h, no atendimento de pessoas em situação de rua para conscientização e encaminhamentos necessários. A abordagem pode ser acionada pelo número (47) 99919-8961.
O que disse a OAB de Santa Catarina
OAB/SC pede esclarecimentos e emite nota oficial sobre Operação clandestina que resultou na agressão a pessoas em situação de rua em Itajaí.
“A Ordem dos Advogados do Brasil – Seccional de Santa Catarina, por intermédio de sua Comissão de Direitos Humanos, vem a público repudiar com veemência o episódio ocorrido na madrugada de terça-feira, na divisa entre os municípios de Balneário Camboriú e Itajaí, envolvendo cerca de 40 pessoas em situação de rua e policiais militares.
As violações de direitos básicos da população em situação de rua não condizem com a sociedade que buscamos e com a missão institucional da OAB de zelar pela defesa dos direitos humanos e pela ordem democrática.
A OAB/SC reitera seu compromisso com a busca pelo acesso de todos os cidadãos às mesmas condições de igualdade, direitos e justiça social.
Nesse mesmo sentido, a OAB/SC presta total solidariedade às vítimas e comunica que está empreendendo todos os esforços necessários para apuração dos fatos e responsabilização dos policiais envolvidos.
Enviamos ofício ao Comando da Polícia Militar de Santa Catarina solicitando o acompanhamento institucional do caso.
Este lamentável episódio só reforça a necessidade de voltarmos um olhar mais humanizado à população em situação de rua e nos mostra a importância da promoção permanente de políticas públicas de amparo social adequado a essas pessoas.
Confiante nas instituições, esperamos que haja a necessária apuração dos fatos e punição exemplar dos envolvidos, para que esse humilhante caso não se repita e para que possamos continuar construindo um país justo, democrático e verdadeiramente igualitário”.
Por Dagmara Spautz, Joana Caldas, g1 SC e NSC.