Os brasileiros na linha de frente da corrida pela vacina contra a Covid-19

É possível que até o fim do ano desponte algum imunizante eficaz — mais de 14 mil voluntários fazem parte dessa fascinante movimentação científica.

Um tema, não o único, mas primordial, tem ocupado o tempo de uma série de encontros remotos, por meio de videoconferência entre campeões da filantropia e do capitalismo mundial: a busca de uma vacina contra o novo coronavírus. Há cerca de dois meses, o fundador da Microsoft, Bill Gates, o megainvestidor Warren Buffett e o empresário brasileiro Jorge Paulo Lemann trocavam impressões sobre a pandemia e, num momento em que o mundo estava extremamente abalado pelo surto, demonstravam algum otimismo.

Lemann estava particularmente animado porque havia sido procurado pelos diretores da Universidade de Oxford, na Inglaterra, para ajudar na busca por um imunizante. Um pedaço relevante da pesquisa, realizada em parceria com a farmacêutica britânica AstraZeneca, poderia ser feito no Brasil. Disse sim no mesmíssimo dia, e se comprometeu a bancar os custos de aplicação da substância experimental em 2 000 voluntários paulistas — 1 000 deles de modo direto e a outra metade com a assistência de um par de apoiadores, a Fundação Brava e a Fundação Telles. Nascia ali uma das maiores apostas da humanidade na luta contra o novo coronavírus.

“Estamos esperançosos, animados, e tentando ajudar os profissionais que mais entendem do assunto no mundo”, disse Lemann a VEJA.

Por força de atávica discrição, ele não confirma, mas sabe-se que, ao anúncio de uma vacina, estaria disposto a desembolsar algo em torno de 30 milhões de reais para apoiar algum fabricante de modo a incentivar rápida produção por aqui.

Nunca antes, como agora, gastou-se tanto (estima-se que o valor global chegue a mais de 20 bilhões de dólares) com a procura de uma vacina que proteja o mundo do Sars-CoV-2, o vetor da Covid-19. Afinal, até a quinta-feira 9, o vírus já atingiu em números oficiais mais de 12 milhões de pessoas, com cerca de 550 000 mortes — quase 70 000 no Brasil. Na corrida para interromper uma tragédia ainda maior, existem hoje em todo o planeta em torno de 160 projetos de imunizantes. Destes, 21 já estão em fase de testes clínicos em humanos — e dois chegaram à derradeira etapa exigida pelas agências regulatórias para aprovação. Ambos estão no Brasil: o de Oxford e o da chinesa Sinovac Biotech, que também desembarcou para testagem, por meio do Instituto Butantan, de São Paulo, ancorado pelo governo do estado (acompanhe a corrida pela vacina no quadro da pág. 62). Especialistas ouvidos por VEJA acreditam que, com a aceleração de etapas, uma vacina possa ser posta em circulação ainda entre novembro e dezembro deste ano. A gigante Pfizer, por exemplo, já começou a fabricá-la, mesmo sem certezas, em procedimento raro, mas justificável, de modo a ganhar tempo. Evidentemente, só a distribuirá depois de confirmações absolutas, com total segurança. Trata-se de uma corrida em que o vencedor (tomara que assim seja) ganhará em tempo recorde. No caso do sarampo, por exemplo, passaram-se quatro anos entre a eclosão da doença e a proteção química.

A cirurgiã-dentista Denise Caluta Abranches, de 47 anos, coordenadora de odontologia do Hospital São Paulo, foi a voluntária número 1 do país. ”É minha forma de contribuir como profissional da saúde e colaborar com outras pessoas que, como eu, estão trancadas em seus lares e afastadas de amigos e familiares esperando uma proteção”, diz.

“Minha mãe era enfermeira e a disposição para ajudar os outros sempre foi muito forte em casa.”

A participação brasileira nesta busca pelo santo graal é mundialmente relevante, e precisa ser celebrada. O país foi procurado em virtude da explosão de casos, e não há como negar essa constatação (testam-se vacinas onde elas são necessárias), mas também como resultado de um histórico de reputação internacional na área. O programa de vacinação brasileiro, apesar de recentes recuos durante a Presidência de Jair Bolsonaro, é invejável. Diz a pesquisadora brasileira Sue Ann Costa Clemens, diretora do Instituto de Saúde Global da Universidade de Siena, a interlocutora inaugural entre Oxford e Lemann:

“No início de maio, muitos outros países tinham curva ascendente como a do Brasil. O país foi escolhido pela excelente estrutura dos centros de pesquisa, capacidade dos pesquisadores e por ter conseguido, em pouquíssimo tempo, grande quantidade de voluntários”.

Foram dois dias para encontrar instituições aptas, uma semana para a confirmação de patrocinadores e apenas 44 dias entre o primeiro contato e o início dos trabalhos. “Estou no comitê científico de outras duas vacinas e não vi essa agilidade em lugar algum”, diz Sue, coordenadora do estudo no Brasil.

Via VEJA

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